Tum-tum, piu piu, tic-tac, crach, bum, crack, trim, bip-bip. Quem disser que não associou cada um desses sons a algum objeto, situação ou personagem estará mentindo. Cada segundo da existência humana é marcado por alguma espécie de sonoridade ou mesmo por sua ausência, pois o silêncio também produz significados. Ainda em forma de feto, o ser humano já se familiariza com os ritmos que marcam sua vida embrionária, como as batidas do coração e a respiração. Fora desse meio encontra uma imensidão de novos significados que irão povoar sua vida a partir daquele momento.
Cada geração nasce com um condicionamento auditivo ancestral: as harmonias românticas, que soariam incompreensíveis a um ouvido barroco, são plenamente assimiladas, e até superadas, pelos jovens de hoje. Cabe a cada geração ampliar a sensibilidade auditiva, abrindo-se a todos os desenvolvimentos da linguagem, sem destruir o patrimônio que herdou ao nascer. (MAGNANI, ano:p.58)
Devido à tamanha diversidade sonora existente no mundo e a partir da necessidade de correlação entre atitude e som, os meios de comunicação lançaram mão da sonoplastia, já inaugurada pelo teatro, que nada mais é que “uma reconstituição artificial de ruídos, sejam eles naturais ou não” (PAVIS,1999: p.367). Em qualquer manifestação do ato comunicativo certamente haverá um som corresponde à uma ação praticada seja ela real ou não.
A sonoplastia deve ser distinta, ainda que nem sempre isso seja tarefa fácil, da palavra (em sua materialidade vocal), da música, dos resmungos e sobretudo, do ruído gerado pela cena. Trata-se do conjunto dos acontecimentos sonoros que entra na composição musical (PAVIS, 1999: p.367).
Nas escolas as crianças já aprendem através de um mundo de associações. As músicas pedagógicas contém diversos sons que imediatamente são ligados a objetos ou ações. Nas canções que envolvem, por exemplo, aprendizado sobre hora está o tic-tac, na brincadeira do Quem está aí? Encontramos o toc-toc das portas. Mesmo não existindo uma porta bate-se na mesa, que possui o mesmo material da porta e com isso se cria um ruído semelhante e se estabelece uma relação de significação. Essa seria uma forma manual e pedagógica de sonoplastia.
Com o passar do tempo, outras associações começam a povoar a memória das pessoas. O barulho dos sinos da Igreja Católica, indicando festa ou luto; a aceleração de um carro; o canto dos passarinhos abrindo um novo dia; uma trovoada mostrando o mau tempo; o barulho da chuva caindo; uma explosão que alarma; o tiro de um revólver que traz medo e insegurança e uma série de outros barulhos criados a partir de ações e reações. Esse arquivo sonoro fica armazenado na mente de cada um e ao ouvir alguma manifestação do som, o cérebro humano associa imediatamente a marca sonora com sua possível causa.
Dizemos de um canto de canário que é jovial, dum canto de graúna que é triste, dum sabiá que é ardente ou melancólico. Isso prova que tem no fenômeno musical artístico alguma coisa a mais que no fenômeno musical natural. Esse “a mais é determinado pela expressão que torna a obra-de-arte compreensível (ANDRADE, 1995: p.43).
As sensações provocadas pelos sons sempre foram uma das principais preocupações dos meios de comunicação. Não poderia se fazer teatro, cinema, rádio ou televisão sem os recursos da sonoplastia. “A oralidade liga-se às produções em imagens e sons por muitos fios, mas principalmente pelo seu realismo e pela sucessividade no tempo” (ALMEIDA, ano: p.9). Afinal um dos motivos que fascinam o público é a proximidade do mundo criado por esses veículos com a realidade. E do que é feita a realidade? Pessoas que interagem a todo instante com outras pessoas, coisas e animais. Pessoas que, através de ações, produzem uma infinidade de ruídos, seja a partir de sonoridades criadas pelo próprio corpo, seja através de objetos manipulados por elas. Tudo isso somado aos artifícios naturais gera uma gama de significações que estão presentes o tempo todo nas produções midiáticas. A grande diferença é que nem sempre o que se ouve é o que parece ser.
Esse artifício era bastante utilizado na época das novelas de rádio. Com a ausência do recurso visual, o som cumpria, muitas vezes, o papel cenográfico. Para caracterizar as cenas, os sonoplastas da época se utilizavam mais do improviso do que propriamente da técnica. Nesses casos, caixa de fósforos se transformava em máquina de costurar, a descarga do banheiro dava a impressão de um submarino com vazamento no fundo do mar e um comprimido efervescente representava um ataque de formigas. Não importava o objeto utilizado, o essencial era que o som produzido se assemelhasse ao máximo com aquilo que se queria demonstrar, criando um sentido simbólico para as sonoridades produzidas.
Os efeitos não só ofereciam mais concentração aos atores de rádio como também mais realidade nas histórias. Seria impossível imaginar uma novela e outros programas de rádio sem os recursos da sonoplastia. Um meio de comunicação que disputa a atenção do ouvinte com aparelhos e afazeres de casa precisava ao máximo fazer seus espectadores “entrarem” na história, o que seria impossível apenas com a fala crua dos atores. “ Num plano vazio, um ruído cria um lugar, uma profundidade de campo, um atmosfera por toda a duração de um plano sonoro, como na peça radiofônica” (PAVIS, 1999: p.368).
O mesmo acontece com as peças teatrais. Como falar que está vindo um temporal sem o ruído dos trovões? Como simular um acidente, sem barulhos de carro, e uma sirene ligada? Como abrir uma porta que bate sem porta e sem barulho? Como prever que cães estão se aproximando sem o latido dos animais? Como atender um telefone sem antes ouvi-lo tocar? Como levar a magia da encenação ao público sem os aparatos necessários para aguçar a imaginação? Se a sonoplastia falhar, se o ator anunciar uma ação e ela não possuir o seu correspondente sonoro, toda a estrutura psicológica do espectador para aquele momento desaba. “A sonoplastia raramente é produzida em cena pelo ator; é executada nos bastidores pelos técnicos usando todo tipo de máquina” (PAVIS, 1999: p.367).
O próprio cinema mudo não suportava ser mudo e encontrava nas orquestras uma saída para as imagens sem som. A sonoplastia, nesse caso, era realizada enquanto o filme era exibido e no início, como já foi dito anteriormente, não possuía relação com a cena. Somente com o crescimento desse meio e sua popularização é que desenvolveu-se o som acoplado a essência representativa. Hoje, com equipamentos modernos que gravam e editam imagem e som separadamente e a possibilidade de limpar os ruídos de uma cena externa, a sonoplastia tornou-se tão importante quanto o figurino e o cenário. Não se pode fazer um terremoto ou desabar um prédio para obter os ruídos relacionados. E aí que entra o trabalho do sonoplasta, o profissional do som.
No caso em que a música é juntada ao espetáculo, seu papel consiste em salientar, ampliar, desenvolver, às vezes contradizer, os signos dos demais sistemas, ou substituí-los. As associações rítmicas ou melódicas ligadas a certos tipos de música (minueto, marcha militar) podem servir para evocar a atmosfera, o lugar ou a época da ação. A escolha do instrumento também tem um valor semiológico que pode sugerir o lugar, o meio social, o ambiente (KOWZAN, 1977: p.75).
Na época em que a TV ainda não possuía todos os aparatos técnicos para gravação e edição de imagens, os programas eram como teatros filmados. Todas as encenações eram transmitidas ao vivo e assim como no rádio e no teatro, os efeitos de sonoplastia eram indispensáveis. Mesmo havendo a possibilidade de visualizar a cena, os ruídos tinham que entrar no momento certo assim como a fala dos atores. Com o passar do tempo e o desenvolvimento da tecnologia foi possível aperfeiçoar as técnicas de captação e edição do som. Hoje, não é mais preciso fazer os programas ao vivo, embora eles ainda existam na TV. Eles podem ser gravados e editados, indo para o ar a qualquer hora.
Até o jornalismo precisa das músicas e da sonoplastia. Determinadas reportagens se utilizam do back ground ou música de fundo para humanizar as matérias e atrair a atenção do espectador. Mas o que realmente identifica um programa são as chamadas. Elas são a identidade, a marca registrada. As chamadas do Jornal Nacional ou Globo Repórter podem ser reconhecidas por qualquer um, mesmo que a pessoa esteja longe da TV. As chamadas, como o próprio nome já diz, chamam o espectador para assistir o que vai ser exibido. E quando eles aproveitam os intervalos para fazer alguma coisa, são elas que avisam que o programa já está de volta. “O ouvinte identifica quase sempre uma composição musical com a ocasião e o local em que a ouviu pela primeira vez” (RAWLINGS, /s.d./: p.34).
Mas, sem dúvida, um dos produtos midiáticos que mais fazem uso da sonoplastia é o desenho animado. Como nem mesmo os atores são reais, todos os sons tem que ser criados e adaptados para cada cena. A voz dos dubladores deve se “encaixar” na personagem, os passos, os ruídos, até a respiração; tudo é produzido em estúdios que trabalham especialmente para criação de efeitos sonoros. Nesse “oásis” da criação sonora encontra-se de tudo: ventiladores, tecidos, frutas, farinha, enfim, qualquer objeto que possa originar um som parecido com a ação do desenho.
Para se ter uma idéia, em um dos episódios de Os Simpsons, uma melancia e um pedaço de carne foram utilizados para simular um coração sendo arrancado e jogado contra a parede. Em uma outra situação pedaços de couro são balançados para reproduzir o bater de asas de um dragão. É um processo que exige mais do que microfones aguçados. É necessário haver muita criatividade. São trabalhos que chegam a levar anos para serem finalizados. O trabalho vai desde a criação dos desenhos até a adaptação da sonoplastia, dublagem e repertório musical. Tudo realizado em sincronia com o que é passado nas telas. Nesse processo de criação, dubladores e criadores de efeitos sonoros realizam suas tarefas enquanto assistem às cenas. Tudo para que eles mesmos possam avaliar se aquele ruído está gerando um efeito real. Depois tudo é levado para um outro estúdio para ser mixado. Está pronta a magia do desenho animado.
Se anteriormente à massificação do cinema e da televisão poderíamos pensar em uma comunidade de pessoas, hoje é forçoso pensar em uma comunidade de espectadores, de consumidores de imagens e sons, pessoas que formam sua inteligibilidade do mundo a partir das informações dos meios de comunicação de massa, das informações que lhes vêem por imagens e sons, dessa nova oralidade (ALMEIDA, 1994: p.45).
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